CRACK E FREEBASE
Os EUA viveram a partir de 1985 aquilo que ficou conhecido como a epidemia do crack. Toda a gente foi apanhada de surpresa por essa nova forma de consumir cocaína, só que não era propriamente nova. Em 1974, na Califórnia, o freebase fez a sua entrada. Aquecia-se hidroclorido de cocaína em água com amoníaco e obtinha-se uma forma pura de cocaína cristalizada que podia ser fumada em cachimbo. Já nessa altura, grande parte do freebase era feito da mesma forma que mais tarde popularizou o temido crack: usando bicarbonato de sódio. O nome crack vem, como se sabe, do ruído que os cristais fazem ao serem fumados no cachimbo. Esse ruído não foi suficiente para alertar os decisores políticos.
Reagan e a sua mulher, Nancy, tinham declarado uma guerra sem quartel à tolerância , tímida , dos anos Carter. Um pai , membro da NFP, tinha descoberto, horrorizado, que a High Times e a Rua Sésamo se vendiam na mesma loja. O tom era a dureza e o slogan "war on drugs"; os financiamentos para estudo, prevenção e tratamento foram brutalmente diminuídos, o Sentencing Reform Act implantado ( na prática, prender simples consumidores) em 1984.
Este episódio da História das drogas é exemplar. Enquanto Reagan cancelava programas de estudo e de investigação, porque o slogan guerreiro não admite essas coisas, o freebase deslizava sorrateiramente para o crack , iniciando milhares de jovens americanos na cocaína barata e acessível. Também é exemplar porque demonstra que a alteração dos perfis de consumo depende menos das políticas internas do que da organização geopolítica do mercado do narcotráfico. Neste caso do crack, e como já referi abundantemente noutras séries, o problema passou pela mudança dos donos do negócio: os mexicanos, por essa altura , tinham decidido deixar de ser os meros correios (mal pagos) dos colombianos. Seja como for, a atenção à geopolítica das drogas ( essencial) não deve suspender a reflexão e o estudo do que se passa na rua.
Bibliografia: Musto, Rudgley, etc