RAÍZES IMPERIAIS E COLONIAIS DA PROIBIÇÃO - a tese
Podia falar de algumas raízes do reino vegetal, como a mandrágora. Aparece no Mandragoal, de Maquiavel, no La Main Enchantée, de Nerval, e no Romeu e Julieta de Shakespeare. Foi usada pela duquesa de Ferrara ( Lucrécia Borgia) como veneno e como remédio por Isidoro de Sevilha ( século VI). O principal alcalóide é a hiosciamina, longamente aproveitado como anestésico e hoje com aplicação na doença de Parkinson e em cardiopatias, mas famoso pelas suas propriedades narcóticas e alucinogénicas. Podia, mas não vou. As raízes que me interessam , e hoje é um bom dia para começar a descarná-las, são as da proibição. Não me refiro ao processo legal, técnico e administrativo ( isso tem sido, e continuará a ser, tratado à parte), refiro-me ao tom da época.
Defino duas fases iniciais: as guerras do ópio ( 1840-1842) e o arranque dos movimentos da Temperança ( finais do século XIX, EUA). As primeiras garantiram às potências ocidentais um droit de regard sobre representação do ópio: mau para elas, bom para os chineses ( e indianos, javaneeses etc). Do ponto de vista do valor do ópio, bom para as potências ocidentais ( sobretudo a Inglaterra) , mau para os orientais.:
a) Bom para elas porque lhes encheu os cofres e permitiu dominar a China no período que mediou entre as ditas guerras e a reunificação de Chiang Kai-shek ( 1928).
b) Mau para os orientais, sobretudo para os chineses que até Mao chegar ao poder se drogaram à larga ( hábito exterminado pelo revolucionário método terapêutico da China Comunista, vulgo, bala na nuca).
Com vagar examinaremos ao detalhe tudo isto. Para já, prossigamos com o tom da época.
A minha tese é que a proibição é filha do último grande fôlego imperialista e colonial do Ocidente. Espero poder demonstrá-la ao longo do tempo, mas chamo desde já a atenção para isto: o ópio ( a cocaína era lateral) é, no arranque do século XX, visto no Ocidente como uma maldição de asiáticos / orientais. Burke, por exemplo, defendia o direito de o vender aos chineses, mas enfurecia-se com o seu efeito nos trabalhadores e jovens ingleses. Nos EUA, quando a Prohibition, via Volstead Act, entra em vigor ( 16 de Janeiro de 1920) todas as clínicas de reabilitação de toxicómanos estão já ( ou a caminho disso) fechadas. Quando o álcool regressa ( 5 de Dezembro de 1933), o ópio, a heroína, a cocaína e a canabis ficam no tinteiro do legislador.