Cocamemória
É necessária a memória para todas as operações da razão, avisava Pascal. As pessoas tendem a esquecer-se do início das coisas. A cocaína não foi sempre a rainha das séries da Netflix nem os reis os cartéis mexicanos:
No chaparro boliviano e no Alto Hualaga, finais de 60, a coca , comum entre 500 e 2000m de altitude, estava à espera de resolver a vida de muita gente: camponeses, cocaleros, traficantes, generais e políticos. No início dos anos 70, a moda americana, ou seja, a procura, fez desta plantita, que adulta ao fim de 5 anos produz entre 400 a 1200 kg de folhas por hectare, a única razão de ser naqueles vales e planaltos.
Fernando Belaúnde, arquitecto, foi eleito presidente do Peru em 1963. Tinha um sonho, o de construir uma estrada marginal a La Selva ( ± 450 km a nordestes de Lima): a conquista do Peru pelos peruanos. Pois terá sido, mas também foi uma magnífica infraestrutura para os narcos colombianos nos anos seguintes. Roberto Suarez Gomez foi um dos primeiros, na Bolívia ( o outro lado do planalto andino) a perceber o esquema. Fundador de La Corporacion ( o cartel de Santa Ana), envia a coca para a Colômbia; já adivinharam para quem, claro: Escobar. Para terem uma ideia, as plantações de coca no Peru, por ex, antes de 1980 não excediam os 10.000 ha; dez anos mais tarde rondavam entre 100.00 a 200.000. No Alto Hualaga só 5% da população passou a viver do chá, café e óleo de palma. O resto eram cocaleros.
Em 1981, na Bolívia o ministro da educação era o general Ariel Coca. Parece mentira, mas é verdade. Outros militares ( Salomon e Etcheverria) estavam tambem no payroll do cartel de Santa Ana. O golpe foi a 17 de Julho de 1980, patrocinado por Roberto Suarez Gomes e pela ditadura argentina. As coisas melhoraram depois, mas no entretanto os narcobolivianos estabeleceram-se. Passariam mais tarde a fornecedores dos narcos colombianos. A bola muda de mão muitas vezes mas é sempre redonda. Em 1989, o narco sector já representava um quarto do PIB boliviano.