Quinta-feira, 07.06.12

RAÍZES IMPERIAIS E COLONIAIS DA PROIBIÇÃO - a tese

Podia falar de algumas raízes do reino vegetal, como a mandrágora. Aparece no Mandragoal, de Maquiavel, no  La Main Enchantée, de Nerval,  e no  Romeu e Julieta de Shakespeare. Foi usada pela duquesa de Ferrara ( Lucrécia Borgia) como veneno e como remédio por Isidoro de Sevilha ( século VI). O principal alcalóide é a hiosciamina, longamente aproveitado  como anestésico e hoje com aplicação na doença de Parkinson e  em cardiopatias, mas famoso pelas suas propriedades narcóticas e alucinogénicas. Podia, mas não vou. As raízes  que me interessam , e hoje é um bom dia para começar a descarná-las, são as da proibição. Não me refiro ao processo legal, técnico  e administrativo ( isso tem sido, e continuará a ser, tratado à parte), refiro-me ao tom da época.

Defino duas fases iniciais: as guerras do ópio ( 1840-1842)  e o arranque dos movimentos  da Temperança ( finais do século XIX, EUA). As primeiras  garantiram às potências ocidentais um droit de regard sobre  representação do ópio: mau para elas, bom para os chineses ( e indianos, javaneeses etc). Do ponto de vista do valor  do ópio,  bom para as potências ocidentais ( sobretudo a Inglaterra) , mau  para os orientais.:

 

a) Bom para elas porque lhes encheu os cofres e permitiu dominar a China no período que  mediou entre  as ditas guerras e a reunificação de Chiang Kai-shek ( 1928).

b) Mau para os orientais, sobretudo para os chineses  que até Mao chegar ao poder  se drogaram à larga ( hábito exterminado pelo revolucionário método terapêutico da China Comunista, vulgo,  bala na nuca).

 

Com vagar examinaremos  ao detalhe   tudo isto. Para já, prossigamos  com o tom da época.

A minha tese é que a proibição é filha do último grande fôlego imperialista e colonial do Ocidente. Espero poder demonstrá-la ao longo do tempo, mas chamo desde já  a atenção para isto: o ópio ( a cocaína era lateral) é,  no arranque do século XX, visto no Ocidente como uma maldição de  asiáticos / orientais. Burke, por exemplo, defendia o direito de o vender aos chineses,  mas enfurecia-se com o seu efeito nos trabalhadores e jovens ingleses. Nos EUA, quando a Prohibition, via Volstead Act, entra em vigor  ( 16 de Janeiro de 1920) todas as clínicas de reabilitação de toxicómanos estão já ( ou a caminho disso) fechadas. Quando o álcool regressa ( 5 de Dezembro de 1933), o ópio, a heroína, a cocaína e a canabis ficam no tinteiro do legislador.

publicado por FNV às 19:39 | link do post | comentar | ver comentários (4)

PREVISÕES

O actual estatuto  das drogas demorou , entre o balão de ensaio filipino ( 1908) e a Single Convention de Nova Iorque ( ( 1961) , cinquenta  e três anos a ser preparado.  As primeiras tentativas - conferências de Xangai ( 1909) e Haia( 1912) - apontaram a direcção que Harry Aslinger, o patrão do FBN ( Federal Bureau of Narcotics, o antepassado da DEA) , durante os anos 30 e 40, seguiu: controlo da produção  e interdição do comércio. As proibições do consumo foram as telhas, as últimas , do edifício.

Quando  ouço falar em legalizar as drogas, e de uma penada acabar com o narcotráfico, sorrio sempre. Se o mago Merlin existisse, talvez conseguisse esse feito, assim, por decreto. Como não acredito em magias, calculo que qualquer mexida  no actual estatuto demorará muitos anos a  ser preparada. E a primeira peça será, terá de ser,  a do controlo da produção.

publicado por FNV às 10:47 | link do post | comentar

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